11/04/2016

Cosmética Cruelty Free - Como se eu não tivesse inquietações suficientes na minha vida

Respondi a um questionário recentemente acerca de hábitos de compra de cosméticos de luxo, onde eu podia indicar que marcas eu recomendaria. De uma listagem de cerca de 20 ou 25 marcas de luxo, apenas uma não testava em animais. Fiquei triste e desiludida, comecei a pesquisar mais e mais. É fácil ignorar estes assuntos, ou desconsiderá-los como sendo preocupações de SJWs e militantes da PETA, e continuar a comprar os produtos que nos são tão convenientes ou apelativos e não pensar em mais nada. É fácil para nós, mas não é fácil para a bicharada.

Eu gosto de comer animaizinhos, tenho de admitir. Já gostei mais do que gosto hoje, e já comi mais do que como hoje, mas não me vejo num futuro próximo ou distante a tornar-me 100% vegetariana. Desculpem lá. Bacon is bae.

De qualquer forma, eu gosto de animais, e tenho no meu seio familiar um fedelhinho cuja espécie costuma estar sujeita aos horrores dos testes de laboratório entre outros fins, para cosméticos.

Gilbert, o Kingslayer a assistir aos Goonies


Tenho um coelhinho, não sou capaz de comer coelhinhos, fico agoniada quando vejo cadáveres de coelhinhos expostos no talho, e tenho vindo a sentir que coelhinhos fofinhos como o meu não deveriam estar sujeitos a torturas e abuso. Eu cometi o erro de investigar exactamente que testes é que eram feitos nos animais, porque pensei, bom, quão mau pode ser?



Se tiverem estômago para isso, pesquisem.

Eu não consigo abdicar da carne na alimentação. Pelo menos não para já. Mas não há justificação possível para continuar a usar produtos que são testados em animais, principalmente quando já existem tantas alternativas para conseguir garantir produtos de utilização segura perfeitamente humanas e eficazes.

Uma coisa é substituir um bife por seitan - é preciso uma certa dose de ajuste, é mais caro, e vamos ser sinceros, não é bem a mesma coisa. Também é bom, mas não é um bife.

Mas não custa NADA fazer escolhas cruelty-free no que diz respeito à cosmética porque não há diferença nenhuma entre um produto testado em animais ou testado através de técnicas alternativas - nem a nível de qualidade, nem de segurança e nem sequer de preço. Basta uma pesquisa rápida para perceber que marcas testam em animais ou não. Aconselho a app para Android Boycott, que permite ver através do código de barras do produto se ele entra em conflito com as vossas ideologias pessoais. No site da PETA tem algumas listagens bastante extensivas das marcas que testam e que não testam e tem mesmo uma função de pesquisa.




Os testes em animais na indústria da cosmética foram proibidos na União Europeia em 2013. No entanto, esta prática ainda ocorre nos Estados Unidos da América e é obrigatória na China. Isto é, qualquer marca que queira comercializar os seus produtos na China terá de os submeter a testes em animais. Ora a China é um grande mercado, especialmente para as marcas de luxo. Algumas marcas recusam-se a compactuar com esta lei e por isso mesmo não vendem na China, outras acedem a fazer os testes necessários para o mercado chinês, apesar de não o fazerem nos restantes mercados, e outras fazem sempre testes em animais porque são evil e cheiram a cócó! (não literalmente, algumas até cheiram bem, mas é uma fachada para disfarçar o sei cheiro a cócó metafórico).

Se pesquisarem muitas vezes encontram declarações como esta, que se lê no site da L'oreal:
"Since March 2013, the Group has taken another decisive step: The Group no longer tests on animal, anywhere in the world, and does not delegate this task to others. An exception could be made if regulatory authorities required it for safety or regulatory purposes. "

Que é como quem diz: Nós nunca fazemos testes em animais!! (a não ser quando fazemos).


Marcas que cheiram a cócó metafórico

Existe ainda um outro detalhe: algumas marcas não testam em animais, mas podem pertencer a uma marca-mãe que o faça. Um exemplo: a NYX pertence à L'oreal. A Nyx em si não faz testes em animais de nenhum dos seus produtos ou ingredientes, é uma marca 100% cruelty free, mas ao comprar NYX estamos a injectar dinheiro na L'oreal, ou não? Estou ainda em conflito em relação a este assunto, gostava de ouvir opiniões.


Outro conflito com que me debato é: o que faço agora com os produtos que tenho em casa cujas marcas testam em animais? O que acham? Uso até acabar ou mando fora?

A boa noticia no meio disto tudo é que há muitas marcas que não testam em animais, algumas até vão mais longe e excluem a utilização de qualquer produto de origem animal (como cera de abelha por exemplo), sendo por isso adequadas a um estilo de vida vegan, e não é por isso que são mais caras do que as outras. Não é preciso abdicar de nada!

Marcas que cheiram bem e que não torturam coelhinhos


Se ficaram tristes de descobrir que algumas das vossas marcas favoritas testam em animais, a minha sugestão é começar por fazer um... boicote não, é uma palavra tão forte. Digamos antes, suspender a aquisição de produtos daquela marca até que as suas politicas sejam revistas. Façam chegar o vosso descontentamento junto das mesmas. Pensem nos coelhinhos! (e nos ratitos, e nos macaquinhos, e nos gatinhos e canitos...)





11/03/2016

Uma reflexão sobre selfies, Kim Kardashian e o Dia da Mulher



No Dia Internacional da Mulher, a socialite Kim Kardashian West postou uma selfie da sua figurinha tal e qual como Deus a trouxe ao mundo (com um ou outro melhoramento) no Instagram. Não façam de conta que não viram, vocês viram.

Surpreendeu-me ela estar com tão bom aspecto e tão confiante para se expor daquela maneira quando teve um bebé há uns 3 meses. Claro que o dinheiro, as cirurgias plásticas, os personal trainers e essas coisas todas que fazem parte dos privilégios de se fazer parte do 1% ajudam. Mas bom para ela, de qualquer maneira.

Depois vieram os comentários online:

É uma puta, é uma porca, não tem vergonha, mãe de filhos a fazer estas figuras, há coisas que devia guardar só para o marido ver, não vale nada, é famosa por não fazer nada, é famosa por ser burra, é famosa por ter feito um filme porno. Não tem talento, não tem inteligência, não tem valor. Uma Kardashian boa é uma Kardashian morta!

Bette Midler, essa respeitada diva, veterana do teatro e variedades, veio para o Twitter fazer um espirituoso reparo em como a única coisa que a Kim Kardashian ainda não mostrou ao mundo foram os órgãos internos. Cute. 



Celebrou-se o Dia da Mulher a achincalhar uma mulher que tem um corpo extraordinário - para quem muita gente gosta de olhar - por ela mesmo gostar de olhar e de mostrar o dito corpo. Que mal nos fez Kim Kardashian? Magoou alguém? Explorou alguém? Insultou alguém? É crime ser vaidosa? É crime ser superficial? É crime uma mulher achar-se bonita? 

Não. Crime é slut-shaming, bullying, agressão verbal. Crime é sermos mulheres que cospem noutras mulheres quando elas vivem uma verdade que é diferente da nossa, porque não compreendemos, porque não nos revemos, ou porque invejamos. É crime ensinarmos as nossas filhas e filhos de que quando uma mulher se expõe - fisicamente ou de outra forma - está-se a pôr a jeito para escrutínio, abuso e ofensa. Tradução: Está a pedi-las.




Apedrejar (figurativamente) uma mulher por ser desenvergonhada e provocadora é algo que já era suposto termos ultrapassado em pleno século XXI no mundo Ocidental. Mas pelos vistos o Dia Internacional da Mulher só serve mesmo para dar negócio às floristas, porque a lição fundamental continua perdida:

as mulheres devem ser livres de viver as suas vidas como bem entenderem e as suas escolhas  devem ser respeitadas, mesmo quando não são as mesmas escolhas que nós, pessoalmente, faríamos. 

 
Não interessa como uma mulher se veste ou se comporta. Se é mãe de 10 filhos ou se se recusa a procriar. Se é casada ou se mantém simultaneamente 30 amantes. Se usa golas altas ou anda com a borda do rabo de fora. Se é um tubarão empresarial ou se é uma dona de casa. Se passa as noites a ler em casa ou a tarrachar no Main. Se ouve metal ou Justin Bieber. Who fucking cares? A única coisa que interessa ser é um ser humano decente que não magoa nem prejudica ninguém. Chamem putas às mulheres que maltratam crianças, velhos e animais, por exemplo. Se é para odiar, ao menos redireccionem para o sitio certo. Mostrar uma mamoca ou outra não faz mal a ninguém, pelo contrário, até eleva a moral.





Parecemos ter entranhado nos ossos esta noção de que uma mulher pode ser inteligente ou pode ser bonita, mas nunca as duas coisas. Ou até pode ser inteligente e bonita, desde que nunca se tenha visto ao espelho e não saiba que é bonita, porque a modéstia é sexy, aparentemente.

Vemos uma mulher bem arranjada, maquilhada, com roupa que a favorece a tirar uma selfie para registar como se sente bem na sua própria pele naquele dia, e nunca nos vai passar pela cabeça que ela possa ser engenheira bioquímica ou campeã mundial de xadrez? Porquê? O que é que há naquele gesto que a faça perder pontos de QI? Não se pode ser feminina e feminista? Temos de escolher? Ou bem que leio um livro ou bem que faço o buço mas as duas coisas não pode ser?



Talvez seja verdade que a inteligência, a bondade, a generosidade, o sentido de humor, são valores mais duradouros e mais importantes de cultivar do que a aparência física. Mas podemos ser geniais, amorosas, leais, hilariantes e fucking fabulous ao mesmo tempo, mesmo que isso deixe algumas pessoas desconfortáveis.


A cultura das selfies é provocadora e desafiante, e muita gente a menospreza, porque há quem se sinta desconfortável com o facto das mulheres, pela primeira vez, deixarem de ser apreciadas através da visão de um pintor, da mão de um escultor, ou da câmara de um fotografo. As mulheres hoje são construtoras da sua própria feminilidade, são a arte e o artista, são independentes e livres e donas da sua própria imagem. Elas escolhem como se expõem e quanto se expõem e a quem se expõem. E essa é uma escolha que temos de respeitar, sempre.

Amem-se mais umas às outras, lutem pelas escolhas umas das outras, defendam-se umas às outras de qualquer ataque às vossas dignidades e liberdades de escolha.

E quando acordarem, olharem-se ao espelho e admirarem como o vosso cabelo está espectacular hoje, tirem uma selfie.




“You painted a naked woman because you enjoyed looking at her, put a mirror in her hand and you called the painting “Vanity,” thus morally condemning the woman whose nakedness you had depicted for you own pleasure.”- John Berger