18/09/2013

Porque de vez em quando também me revolto


Recentemente ao vasculhar essas migalhas de pão seco que são as ofertas de emprego online, descobri esta pérola, cortesia da empresa de comunicação J.U.I.C.E.



“Admitimos quem queira trabalhar!

Somos uma empresa de Marketing e Comunicação e procuramos alguém que não queira ter um emprego.

Queremos alguém para trabalhar a sério! Queremos alguém que trabalhe muito! Queremos alguém que queira ganhar dinheiro…. Mas acima de tudo que queira decidir quanto quer ganhar!

Alguém que convença os nossos parceiros que "tem de ser mesmo para hoje" e, enquanto espera "cinco minutinhos", envia por email algumas propostas e faz 9,5 chamadas para potenciais clientes!

Precisamos de alguém que consiga conduzir e falar ao telemóvel ao mesmo tempo (não assumimos a valor da multa, tá claro!! Auricular, Bluetooth…é livre de escolher!) ou que seja um expert em transportes públicos… e aí não faz diferença se fala ou não ao telefone. Mas era importante que falasse, o tempo que se ganha em viagem!

Oferecemos boas condições mas acima de tudo oportunidade de carreira until death do us part!

Precisamos de alguém que seja MUITO bom a convencer pessoas, dotado de muita paciência e pouca força… porque nem sempre é fácil esclarecer alguns clientes!

Um compromisso que surge do nada ou uma reunião agendada em cima do joelho é o nosso dia-a-dia… portanto gravem uma SMS nos favoritos do telefone para enviar ao mais que tudo. Qualquer coisa do tipo:

“Amor, hoje não vai dar para ir ao cinema porque não saio antes das 22h. Beijos, amo-te muito!" (é só um exemplo, mas temos uma lista á disposição).

Não estamos a procura de um contabilista mas dava jeito que o Excel não fosse um bicho de 7 cabeças e que olhar para uma factura e interpretá-la não fosse uma experiencia surreal.

Já agora não precisas de falar japonês ou eslovaco mas ajuda se o domínio do português estiver acima da média.

Se achas que este trabalho é para ti, envia CV. Se te parece muita areia para a tua camioneta, procura uma coisinha mais simples!

Boa sorte!”


Não sei do que gosto mais, sinceramente.

O que o anúncio deixa absolutamente claro é que estão a recrutar um escravo: tem de trabalhar furiosamente, tem de vender, vender, vender, tem de estar a trabalhar a qualquer dado momento, mesmo quando em deslocação, tem de ser capaz de fazer 10 vendas telefonicas em 5 minutos e tem de comprometer a sua vida familiar em prol deste trabalho. E fazê-lo com gosto!

Em momento nenhum sabemos o que é que se recebe em troca desta fabulosa oportunidade de trabalhar de sol a sol, mas o que sabemos é que qualquer pessoa que torça o nariz a este anuncio é preguiçosa e não quer verdadeiramente trabalhar.



Não sabemos qual o pacote salarial, mas encontramos um dos meus chavões favoritos dos anúncios de emprego para vendas: “decida quanto quer ganhar!”. Claro, se a pessoa vender muito, vai ganhar proporcionalmente. Mas convenhamos: um produto fácil de vender, não implica assim tanto esforço. É certo que um vendedor agressivo e eficaz consegue até vender saquinhos de cócó. Uma empresa que assume num anúncio que precisa de vendedores furiosos está basicamente a dizer “o que temos para vender não é assim tão bom, portanto precisamos de pessoas capazes de engana...ahem... convencer potenciais clientes”.

E não estando mencionado, e correndo o risco de estar para aqui a levantar falsos testemunhos... não conseguem sentir o cheiro a “recibos verdes” nas entrelinhas? Caso não conheçam é um cheiro meio azedo com um travinho a exploração e sonhos perdidos.

Gosto do uso do “till death do us part” – por um lado o uso do anglicismo recorda que se trata de uma empresa de comunicação e marketing, e portanto são cool e falam umas coisas de inglês. Fica tambem subentendido que a pessoa vai trabalhar com eles até morrer, o que não significa necessariamente uma carreira muito longa. Eu pessoalmente atirava-me para uma linha de comboio ao final da primeira semana.





Adoro a moral por trás de tudo isto: querem um comercial que fale ao telemovel enquanto conduz, mas não pagam multas (“ahahaha brincadeirinha! Somos mesmo engraçados! Não, mas a sério, não pagamos”).

O comercial fica tambem avisado de que vai ter vontade de bater em pessoas, mas não o pode fazer. Esta noção não só é revolucionária enquanto forma de aliciar potenciais candidatos como serve de insulto subtil aos clientes da empresa. É um two-in-one (eu também sou poliglota e cool!)

Como não aguentei a curiosidade, fui procurar o site da empresa onde fui logo recebida com este banner:





Como não sabiam se haviam de escolher estar juntos ou unidos, optaram por deixar estar estar as duas coisas. “Iremos conseguir êxito” parece-me que deve ter sido escrito pelo estagiário esloveno lá do sitio. Ainda bem que desta vez eles reforçaram que precisam de alguém que saiba falar Português.

Encontrei também uma linguagem muito diferente, já não tratam ninguém por tu, e em vez de promoverem o esclavagismo, violência e irresponsabilidade automobilística, garantem que “Sempre pautámos a nossa presença no mercado por valores profissionais e morais que regem as nossas acções num mercado competitivo.” Pois concerteza que sim. Por muito que eu gostasse de ter um novo emprego, neste caso acho que vou optar por não me candidatar a esta posição. Eu e a JUICE vamos ficar separados afastados.

 












Em conclusão, se este anúncio é o melhor que esta empresa de comunicação consegue fazer, eu espero mesmo que consigam arranjar um bom vendedor, daqueles capazes de vender saquinhos de cócó. Vão precisar.

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